DESAFIOS E DINÂMICAS DO CRÉDITO BANCÁRIO

Cinco anos após o lançamento do Programa de Apoio à Produção, Diversificação das Exportações e Substituição das Importações (PRODESI), a influência do Estado na economia angolana permanece dominante. Este impacto é particularmente evidente no sector bancário, onde o Estado representa 53% do volume de crédito no 2.º trimestre de 2024.

Por Bernardo Vaz (*)

Apesar dos esforços para diversificar e fortalecer a economia, os dados mostram que o crédito ao sector produtivo ainda enfrenta desafios significativos, limitando o crescimento económico sustentável e a expansão do sector privado.

Análise do crédito bancário

O rácio de conversão dos depósitos em empréstimos, um indicador chave para avaliar a liquidez do sector bancário, registou oscilações consideráveis nos últimos anos. Em 2022, o rácio aumentou de 54% para 64% até ao terceiro trimestre, reflectindo uma ligeira recuperação da confiança no sector. No entanto, essa tendência foi revertida com uma queda para 50% até ao 2.º trimestre de 2023, indicando uma retracção na concessão de crédito em resposta a um ambiente económico mais arriscado. No segundo trimestre de 2024, este rácio recuperou para 55%, sugerindo uma melhoria cautelosa na confiança da banca.

O rácio dos empréstimos sobre o total do passivo bancário apresentou uma estabilidade relativa até ao terceiro trimestre de 2022 (variando entre 32% e 33%), mas caiu para 27% no segundo trimestre de 2023. No entanto, recuperou para 34% até ao segundo trimestre de 2024, atingindo o valor mais alto da série. Este aumento pode indicar uma reorientação da banca para a concessão de crédito, embora o peso do crédito ao Estado continue a influenciar negativamente o dinamismo do crédito à produção.

O Papel do Estado e a banca

Apesar da significativa liquidez disponível no sector bancário, grande parte dos recursos continua a ser direccionada para o financiamento do Estado. A preferência da banca pelo crédito ao Estado, devido ao seu baixo risco e elevada rentabilidade, resulta na menor disposição para conceder crédito à produção. O capital dos bancos é suficientemente remunerado pelo crédito ao Estado, tornando desnecessário o envolvimento em operações de maior risco, como o financiamento à actividade produtiva privada. A inércia da banca em alterar o seu modelo de negócios é evidente.

Acostumados a operar num ambiente de baixa concorrência e baixo risco, os bancos não vêem incentivo para investir em mecanismos que reduzam o risco associado ao crédito às empresas. Consequentemente, o crédito à produção tem sido insuficiente para impulsionar o crescimento económico desejado. Durante o período analisado, o crédito real à produção foi negativo no 1.º e 4.º trimestres de 2022, pouco significativo no 1.º trimestre de 2023 e nos 2 primeiros trimestres de 2024 e anémico nos 2.º e 3.º trimestres de 2022 e 3.º trimestre de 2023.

No 2.º trimestre de 2023 o crédito real à produção apresenta um valor elevado, mas devido à valorização dos empréstimos em moeda externa com a alteração da taxa de câmbio de 505 para 822 Kwanzas/USD. Como consequência, só no 4.º trimestre de 2023 o crédito real à produção apresenta valores aceitáveis.

Impacto da inflação e dinâmica sectorial

Desde o 1.º trimestre de 2022 até ao 2.º trimestre de 2024, o crédito real à produção (deflacionado cada trimestre do IPCN trimestral) totalizou cerca de 1.272 mil milhões de Kwanzas e o crédito às famílias rondou os 992 mil milhões de Kwanzas. O montante de crédito à produção é claramente insuficiente face às necessidades da economia angolana. A análise qualitativa do crédito real, corrigido pela inflação, revela que o problema central reside na oferta de crédito por parte da banca, que continua a evitar o aumento do risco associado ao crédito produtivo.

A concentração do crédito em poucos sectores económicos persiste. No entanto, observou-se uma diminuição do peso dos três sectores mais relevantes, que passaram de 58% para 49% do total, e dos cinco maiores sectores, de 76% para 62%. O sector do comércio, que historicamente tem sido o maior destinatário de crédito, viu a sua participação cair de 30% para 24%.

A construção civil e a indústria transformadora também registaram quedas na sua participação, enquanto a agricultura, apesar de ser uma prioridade declarada do governo, viu a sua fatia no crédito total reduzir de 9% para 6%.

Conclusão

O panorama actual do crédito bancário em Angola revela um sector ainda dominado pelo Estado, com a banca relutante em expandir o crédito ao sector privado devido ao elevado risco associado. A liquidez existente no sistema bancário poderia ser mais eficazmente direccionada para o financiamento da produção e habitação, mas a falta de incentivos para alterar o modelo de negócio actual impede um crescimento mais robusto do crédito à produção.

É crucial que o Estado reduza gradualmente a sua participação no mercado de crédito, forçando a banca a procurar alternativas para remunerar o seu capital. Além disso, é necessário criar um ambiente que favoreça a titularização da propriedade imobiliária e fundiária, promovendo um mercado de venda de propriedades mais activo e líquido. A redução dos entraves às transacções e a agilização da execução das garantias são fundamentais para dinamizar o mercado de crédito.

Enquanto essas reformas estruturais não forem implementadas, a economia angolana continuará a enfrentar desafios significativos na mobilização de recursos financeiros para apoiar o crescimento sustentável e a diversificação económica. O sector bancário, ao manter o seu foco no crédito ao Estado, arrisca-se a perder a oportunidade para contribuir para o desenvolvimento económico do país, limitando o potencial de crescimento a longo prazo.

(*) Cinvestec.com

Artigos Relacionados

Leave a Comment